Comemora-se hoje, dia 24 de maio, o Dia Nacional do Cigano, data inserida no calendário oficial de celebrações pelo então presidente Lula, em 2006. Além da data, pouco se fez  em termos de políticas públicas para atender as necessidades dessa comunidade.
Internacionalmente o dia dos ciganos é comemorado em 8 de abril, data estabelecida pela ONU, em 1971. No Brasil, são um pouco mais de 1 milhão de ciganos, de três grupos: Kalon, Rom e Sinti.
São muitas as histórias que envolvem os ciganos, marginalizados, desde sempre, em todos os países onde estão presentes. Saiba mais lendo o texto da jornalista Leticia Veloso, escrito em 2008 para a Revista Autor, continua muito atual.

Foto: Beatriz Barreto Tane
A pouca visibilidade de um grupo
Há cerca de um milhão de ciganos em terras brasileiras, de acordo com dados da APRECI (Associação de Preservação da Cultura Cigana) divulgados pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Os ciganos nômades correspondem a 600 mil pessoas e fazem parte da parcela que mais sofre com a marginalização por parte da sociedade e de alguns grupos ciganos, especialmente aqueles que detém poder aquisitivo.
Um dos elementos justificáveis em relação à questão da pouca visibilidade e escassez de informações em relação aos ciganos, pode ser relacionado à postura deste grupo em fechar-se para o mundo. Durante o holocausto, sabe-se a respeito da quantidade de judeus exterminado, entretanto, de acordo com o antropólogo Franz Moonen cerca de quatro milhões de ciganos foram mortos. Todavia, ao contrário dos judeus, o povo cigano não reivindica, acredita que nunca terá reconhecimento da sociedade. Em tese, acostumaram-se com a discriminação e descaso do gadjé (não-cigano), séculos de opressão contribuíram para que os ciganos se fechassem. Neste contexto, encontra-se a mulher cigana, figura caracterizada como charlatã, maltrapilha e trambiqueira. As primeiras ciganas que chegaram no ocidente eram consideradas “imorais” e “escandalosas”, já que a sociedade européia, sobretudo no auge da idade média, era repressora e guardiã dos “bons costumes”, sob o ponto de vista religioso. A igreja católica, por exemplo, fora determinante na concepção que se fez (e ainda se faz) a respeito da mulher cigana.
As mulheres enfrentam distintos paradigmas, um deles é o preconceito da sociedade. O outro diz respeito à ruptura de tradições vigentes em uma cultura machista, como a cigana, na qual a figura da mulher beira a completa submissão. Em geral, a mulher quando se casa passa a pertencer à família do marido e, neste caso, deve obediência ao esposo e inclusive aos sogros. Estas idéias contradizem a versão de que a mulher cigana é liberal e promíscua, leitura feita pelos gadjés.
A percepção negativa do povo cigano e as raras informações, livros ou biografias disponíveis não são suficientes para conter a reafirmação de estigmas acerca deste grupo étnico. Inclusive, o que é publicado sobre os ciganos na grande mídia carrega estereotipações. São elementos que propiciam obstáculos na inserção da mulher cigana no mercado de trabalho. Discriminação diante da sociedade Essas mulheres se deparam com valores tradicionais moldados ao longo dos tempos, como virgindade antes do casamento e a auto-albetização. Algumas comunidades ciganas são contrárias ao prosseguimento dos estudos, em tese, uma universidade não proporcionaria conhecimentos que somente a vida tende a mostrar, na opinião de alguns clãs conservadores. A partir do paradoxo entre modernidade versus tradição, as ciganas enfrentam dilemas que dificultam o desenvolvimento da carreira profissional. “Sobre o mercado de trabalho, não vislumbro ainda esta cena: uma cigana tomando o ônibus lotado, batendo o cartão e trabalhando umas 50 horas semanais numa fábrica ou num comércio. Imaginemos 400 mil ciganas procurando emprego num país com 35 milhões de desempregados. Se isto vier a acontecer, será um passo lento, uma mudança gradativa e dependerá unicamente da vontade ou não dos próprios ciganos. Não cabe a nós nem apressar e nem bloquear”, afirma o Pe Jorge Piorezan (Pe Rocha),Vice-Presidente da Pastoral dos Nômades”. Em uma entrevista de emprego, a mulher cigana, provavelmente temendo a rejeição, omitirá a sua origem étnica e não mencionará vínculo algum com a comunidade cigana. O preconceito culmina na invisibilidade e propicia raríssimas chances das mulheres ciganas assumirem sem receios suas identidades culturais.
Como lidar com o preconceito da sociedade? A mulher cigana que utiliza os trajes típicos de sua cultura sofre discriminações em diversos ambientes. “Por várias vezes entrei em algumas joalherias e fui abordada, vigiada pelas vendedoras. Escutei comentários como; cuidado com a cigana”, diz a professora de espanhol Maria José Cote, cigana de origem Calon (etnia predominante na Penísnula Ibérica e Brasil). A estereotipação em relação à imagem da mulher cigana é outro aspecto emblemático. Tem-se a visão de que as ciganas são apenas maltrapilhas e podem roubar qualquer pessoa que se aproxima. “Uma vez, me disseram que não poderia ser cigana, pois, era limpa e educada. O que essas pessoas não imaginam é que as ciganas andarilhas (que vivem em acampamentos) têm uma vida sofrida e de luta”, diz.
Cotê faz parte da parcela de mulheres ciganas que residem em casas, possuem suas respectivas profissões e mantêm diálogo com os não-ciganos. Todavia, enfrentam críticas de setores arcaicos de seus grupos, pessoas que defendem o isolamento do povo cigano.Dentro do grupo, são hostilizadas pelas alas conservadoras, essas mulheres vivem em dois mundos e em ambos não possuem a aceitabilidade completa a respeito dos ideais profissionais. Resta escolher um dos caminhos, aceitar a submissão ou simplesmente manter a dualidade. A falta de incentivo familiar aliada à discriminação são os grandes desafios para a mulher cigana no mercado de trabalho e vivência na sociedade. Tornam-se raríssimas as possibilidades dessas mulheres assumidamente ciganas conquistarem seus direitos. Pode-se mencionar que as dificuldades, em relação à inserção das mulheres ciganas no âmbito profissional, dividem-se em grupos distintos. São eles compostos por divisões entre mulheres bem nascidas como a advogada cigana Miriam Stanesco (uma das primeiras ciganas que cursaram a universidade) ou sedentárias de um modo geral. O outro grupo composto pelas mulheres ciganas de baixa renda, especialmente as que não têm residência fixa, encontram mais um paradigma, a questão do reconhecimento da cidadania brasileira, já que sem comprovação de endereço não é possível ter acesso à emissão de documentos pessoais. O primeiro grupo precisa lidar com as duas questões abordadas anteriormente (a tradição e o preconceito da sociedade). Apesar dos desafios encontrados, as possibilidades de sucesso são maiores neste caso, se comparado ao segundo grupo. As mulheres nômades são excluídas do acesso à educação, muitas delas sustentam suas casas com as leituras de mãos, o que não significa autonomia dentro do grupo, a renda obtida é entregue ao marido. Com base nestas questões, a mulher se depara com o machismo, a hostilidade dos gadjés e os entraves sociais. Aquelas que conseguem ultrapassar as regras estabelecidas têm pela frente outra batalha, a aceitação e a busca por visibilidade. A luta dessas mulheres é essencial para que as gerações futuras possam conquistar um espaço no mercado profissional ou pelo menos obter o direito de lutar por seus objetivos, condição que deve ser estendida a todos.
Referências:
Mooden “Os Assim Chamados Ciganos Rom, Sinti e Calon”, NEC (Núcleo de Estudos Ciganos). Disponível em www. dhnet. org. br/ciganos
Site Repórter Social, disponível em http://www. reportersocial. com. br/noticias. asp?id=1130&ed=direitos%20humanos
Site A rede, Disponível em http://www. arede. inf. br/index2. php
Site oficial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, disponível em
http://www. pnud. org. br/raca/reportagens/index. php?id01=1294&lay=rac

Letícia Veloso é radialista e jornalista. Exerceu atividades como colaboração para a reportagem “A Saga Cigana”, veiculada na Revista Superinteressante (Edição 256- Setembro de 2008). Escreveu artigos sobre minorias étnicas, um deles publicado na edição de dezembro/2008 da Revista Autor. No mesmo ano criou o site Minorias Étnicas (www.minoriasetnicas.xpg.com.br), espaço dedicado às discussões sobre grupos étnicos em minoria.